Em 1999, a OMS sugeriu atualizar o conceito de saúde para “A saúde é um estado dinâmico de completo bem-estar físico, mental, espiritual e social e não apenas a ausência de doenças ou enfermidade” (WHO, 1999).
Há evidências de que o envolvimento espiritual está associado a melhores condições de saúde mental e física (KOENIG, 2012). Nas últimas décadas, cresceu o número de publicações científicas sobre a influência da Espiritualidade na saúde (DAL-FARRA & GEREMIA, 2010).
Importante ressaltar que Espiritualidade não é religião. Espiritualidade se refere a um amplo domínio da subjetividade humana, refletindo nos valores e ideais mais preciosos das pessoas, assim como o senso de quem são, as suas crenças, o significado e o propósito de suas vidas junto à conexão que elas estabelecem com os outros e com o mundo em que vivem (HERI, 2021). Representa o meio pelo qual encontramos um sentido para tudo, além de esperança, conforto e paz interior em nossas vidas (AAFPF, 2001).
Segundo Koenig (2012), 96% das pessoas acreditam em Deus ou um Espírito Universal e 63% acreditam que deve ser abordada a Espiritualidade do paciente.
A verdade é que as conquistas do modelo biomecânico da saúde não conseguiram ofuscar o papel que a Espiritualidade ocupa no processo saúde-doença. Entretanto, como ainda são poucas universidades no Brasil que já oferecem alguma disciplina de Saúde e Espiritualidade em seus currículos acadêmicos (DAL-FARRA & GEREMIA, 2010; REGINATO et al., 2016), a questão que fica é: como fazer essa abordagem de modo assertivo em uma sociedade acostumada a um modelo biomédico que considera apenas as questões biológicas ou físicas do indivíduo como se o organismo humano fosse mera máquina que precisa de reparo quando falha? A resposta pode estar nas chamadas Práticas Integrativas e Complementares, as PICs.
De acordo com o Ministério da Saúde, PICs são recursos terapêuticos que buscam a prevenção de doenças e a recuperação da saúde, com ênfase na escuta acolhedora, no desenvolvimento do vínculo terapêutico e na integração do ser humano com o meio ambiente e a sociedade (BRASIL, 2006).
Quando falamos em uma abordagem integrativa em saúde, estamos falando em considerar também a Espiritualidade do paciente. Diversas PICs podem ser ferramentas para acessar os aspectos mais subjetivos ou espirituais do paciente sem, no entanto, qualquer conotação religiosa. Isso é importante quando pensamos no Brasil como estado laico que deve ser neutro quanto a isso.
Ainda, há de se considerar que o SUS se constitui como uma política de saúde que visa à integralidade, à universalidade, à busca da equidade e à incorporação de novas tecnologias, saberes e práticas. Se desejarmos um atendimento integral do ser humano, torna-se imperativo a visão biopsicosocial e espiritual do paciente (BRASIL, 2021).
O Farmacêutico deve estar ciente destas questões a fim de não se estabelecer como profissional da área clínica já desatualizado.
Temos PICs regulamentadas pelo CFF que podem ser oferecidas em consultórios farmacêuticos, como a Homeopatia, a Floralterapia ou a Acupuntura, as quais oferecem um atendimento mais humanizado e uma abordagem mais ampla do processo saúde x doença, com foco no paciente e em seus processos individuais. Esse pode ser um diferencial importante quando pensamos no Farmacêutico como o profissional que tem maior conhecimento do impacto da excessiva medicalização da saúde, bem como consciência da necessidade de uso racional dos medicamentos.
Em uma sociedade carente de saúde emocional, o Farmacêutico do século XXI deve ir além da Química.
Como mencionaram Gomes & Margarida (2011), se para aliviar a dor física, existem os opioides, para a dor psíquica ou da alma, existem o acolhimento, a presença, o silêncio e a Espiritualidade.
Que tal pensar fora da caixa?
Referências:
AAFPF – AMERICAN ACADEMY OF FAMILY PHYSICIANS FOUNDATION. Spirituality and health. Am Fam Physician. 63(1): 89, 2001. Disponível em: http://www.aafp.org/afp/2001/0101/p89.html. Acesso em: 30/07/2021.
BRASIL. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia. Comitê de Reconforto Espiritual e Religioso – CRER. Disponível em: https://www.into.saude.gov.br/humanizacao/comite-espiritual-e-religioso. Acesso em 10/08/2021.
BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria MS/GM nº 971, de 03 de maio de 2006. Aprova Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) no Sistema único de Saúde (SUS).
DAL-FARRA, ROSSANO ANDRÉ & GEREMIA, CÉSAR. Educação em Saúde e Espiritualidade: Proposições Metodológicas.Revista Brasileira de Educação Médica, 34 (4):587-597; 2010.
GOMES, R. & MARGARIDA, A. A espiritualidade no aproximar da morte. Enfermería Global. 2011; 2(22):1-9.
HERI – HIGHER EDUCATION RESEARCH INSTITUTE. [homepage]. Disponível em: http://www.spirituality.ucla.edu. Acesso em 30/07/2021.
KOENIG, HAROLD G. Medicina, Religião e Saúde: O Encontro da Ciência e da Espiritualidade. Porto Alegre: L&PM, 2012.
REGINATO, VALDIR; DE BENEDETTO, MARIA AUXILIADORA CRAICE; GALLIAN, DANTE MARCELLO CLARAMONTE. Espiritualidade e Saúde: Uma Experiência na Graduação em Medicina e Enfermagem. Trab. Educ. Saúde, Rio de Janeiro, v. 14 n. 1, p. 237-255, jan./abr. 2016.
WHO – WORLD HEALTH ORGANIZATION. Amendments to the Constitution. April, 7th; 1999.
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